(Re)descoberta do consumidor

A cozinha ganhou novo significado durante a pandemia. Obrigadas a ficar em casa na tentativa de frear a Covid-19, famílias redescobriram os aromas dos temperos, o zelo no preparo e o prazer de escolher os ingredientes de acordo com sua origem, qualidade e características. Novos hábitos que, ao que tudo indica, deverão ser definitivamente incorporados e já são vistos como tendência pelas principais consultorias empresariais globais. Pesquisa divulgada pela MCKinsey & Company apontou que um de cada quatro brasileiros afirmou estar frequentando novas lojas (mesmo que virtualmente). O levantamento também indicou que de 30% a 40% dos entrevistados relataram estar se aventurando a comprar novas marcas.

Entre as mudanças que devem se tornar permanentes, está o hábito de cozinhar cada vez mais para si e para a família, diminuindo a quantidade de delivery de refeições e idas aos restaurantes. A consultoria Euromonitor International, que analisa produtos e estratégias de mercado, constatou que 44% dos consumidores passaram a valorizar mais o tempo em casa com seus parceiros ou cônjuges. A nova lógica pode ser explicada, de acordo com a médica-veterinária e consultora Andrea Veríssimo, pela busca de um “prazer gustativo” dentro do próprio lar. “É uma compensação, um substituto para a convivência com as pessoas. Já que eu não posso estar com os amigos, essa é uma possibilidade”, explica.

E é aí que os produtos premium, como a Carne Angus Certificada, se destacam. Andrea, que está à frente da Avelã Public Affairs, consultoria de big data analytics com ênfase no agronegócio, explica que esses itens são vistos por alguns como um produto de desejo. “A Angus está encaixada num nicho de quem está disposto a pagar mais e preza por uma experiência mais saborosa e padronizada. É uma oportunidade de se posicionar melhor ainda no mercado”, pontua. Segundo a MCKinsey, 60% dos consumidores estão dando preferência a produtos frescos e não industrializados.

Da mesma forma pensa a ex-diretora do Programa Carne Angus Certificada, professora e pesquisadora da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Márcia Barcellos. Visto que o mundo passa por um momento de atenção redobrada a potenciais patógenos, os programas de certificação podem levar aos consumidores uma maior segurança na hora de consumir. A professora coordena o braço da UFRGS na pesquisa Corona Cooking Survey (Pesquisa de Cozinha do Corona, em tradução livre), promovida em 40 países e capitaneada pela Universidade da Antuérpia, na Bélgica. No Brasil, um dos destaques dos resultados do estudo é o crescimento, com a pandemia, de pessoas que acreditam que as refeições são partes importantes do dia. “Elas estão em casa procurando cozinhar melhor. Houve aumento no consumo de farinhas, massas, água, leite e alcoólicos, além da própria carne”, detalha.

Outro ponto importante a ser considerado no perfil desse novo consumidor diz respeito às restrições de locomoção e de funcionamento de lojas que, durante a pandemia, estimularam o uso de aplicativos para realização de compras gerais e outros serviços. Segundo pesquisa divulgada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio/SP), esse é outro comportamento que deve permanecer, já que muita gente já se acostumou com a comodidade de receber o que precisa em casa. Quando a entrega não for uma opção viável, a tendência é que os consumidores acabem optando pelo comércio de bairro, que também tem sido beneficiado na quarentena.

As certezas para o futuro, diz Márcia, são poucas. Mas é fato que, se as pessoas realmente passarem a prestar atenção ao que consomem, a tendência é que hábitos como a busca por alimentos de qualidade permaneça. “Temos de aproveitar o momento que temos, comunicar melhor o diferencial desse produto, estimular as pessoas a comprar alimentos frescos e valorizar os produtores locais”, aconselha.

Crédito: Eduardo Rocha

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